quarta-feira, setembro 27, 2006

Dicas para escolher um candidato*

Caminhadas ao ar livre são ótimas pra se refletir sobre tudo. Esta semana, por exemplo, tenho refletido sobre questões políticas. Ou seja, as eleições que estão bem à nossa frente. Claro que a maioria de nós está assim, um tanto cansada de político, principalmente daqueles que nada fazem de concreto pelo povo ou, pior ainda, dos que saqueiam o erário público. Ou seja, literalmente roubam de nós.

Mas esta é uma discussão complexa e longa. O que tenho notado, contudo, além, claro, da descrença e apatia do eleitor, é que às vésperas da eleição muita gente não sabe em quem votar, principalmente quando se trata de escolher seus representantes no Congresso e na Assembléia.
Sendo assim, resolvi dividir com os leitores algumas sugestões que venho adotando para escolher meus candidatos e que, a bem da verdade, me foram ensinadas pela minha guru, Ana Lia.

Pra começar, esqueçam tudo o que já ouviram, viram ou leram. A sugestão aqui é uma forma alternativa, meio Zen. Mas a amiga que me indicou esta abordagem nunca errou nas suas escolhas, nem nas suas observações. Sugiro então que se observem alguns detalhes interessantes, mas que nada têm a ver com habilidades políticas ou com projetos e fórmulas mirabolantes que muitos apresentam. Comece observando traços, coisas simples, comuns e normais: pra começar, veja se o candidato tem voz clara, límpida, se sabe conversar sem enrolar as palavras. Depois disto, de saber que se pode conversar com ele sem ficar aflita, veja se ele gosta de natureza, se ele conhece algum tipo de planta.

Melhor ainda se ele gostar de cultivar alguma espécie (pode ser até um reles, mas providencial, vaso de temperos), ou se já plantou alguma árvore (não vale marketing só para sair na mídia). Animais: é importantíssimo saber se ele gosta (não apenas tolera) de animais. E não vale gostar de boi ou cavalo de raça. Tem que ser cachorro, gato, passarinho, papagaio, borboleta, esses mais miúdos por quem a gente acaba se afeiçoando. Se ele tiver um animal em casa, então é o máximo. Mas não vale ser do filho (a) ou da mulher, bem entendido.

Estes detalhes podem revelar, sim, o grau de afetividade e interatividade dele com a natureza e o universo. Veja também se ele pratica algum esporte. Pode ser caminhada, esteira, yoga (seria o máximo!). Saúde, meus caros, é fundamental.

Vamos pular agora para a área intelectual. É vital saber quantos e quais livros seu candidato já leu. E quais os filmes a que ele assistiu também. Procure saber se ele conhece clássicos como "O coração das trevas", de Joseph Conrad; "Zen e a arte da manutenção de motocicletas"; "Grande sertão: veredas"; de João Guimarães Rosa (1956); "Crime e castigo", de Dostoievski, "A metamorfose", de Franz Kafka"; "Conde de Monte Cristo", "Encontro marcado"; "Cem anos de solidão" e importantíssimo: se ele gosta de poesia, Drummond, por exemplo. Se ele conhecer a obra de Manoel de Barros então... é um sucesso! Agora, se ele(a) só entrou numa livraria uma vez e pra comprar o livro da Bruna Surfistinha ou Paulo Coelho, esqueça. Exorte-o. Sem pena.

No cinema, é bom que ele tenha assistido também a alguns clássicos importantes: "Cidadão Kane"; "No tempo das diligências"; "Os melhores anos de nossas vidas"; "O anjo azul"; "O morro dos ventos uivantes"; "Ladrões de bicicleta"; "O encouraçado de Potemkin"; "O ladrão de Bagdá"; "Acossado"; "A felicidade não se compra"; "Guerra e paz". Esses são alguns exemplos. Existem outros. Saber escolher livros e filmes é uma qualidade absolutamente necessária e fundamental para qualquer ser humano, principalmente para quem quer ajudar a construir o futuro.

As viagens também são importantes. Saber se ele (a) investiu no conhecimento de outras culturas (além dos livros), se ele(a) se preocupou em saber como vivem outras pessoas em lugares diferentes é, digamos, um plus. Sinal de que ele (a) é mesmo interessado (a) em melhorar as condições de vida dos outros. O ideal é que ele conheça os rincões deste Brasil a afora, as cidades históricas de Minas e, se possível, ter ido uma ou duas vezes, no mínimo, à Europa. E ter usado o transporte público.

Antes que eu me esqueça, temos de saber também se o candidato tem alguma ocupação, um trabalho, alguma formação profissional. Veja se alguma vez na vida ele (a) já sofreu por amor, se teve que abrir mão de algo que gostava muito, enfim, se já enfrentou algumas perdas. Aproveite para saber quem são seus (os dele (a)) amigos (não valemos puxa-sacos de plantão), com quem ele anda, se diverte, etc. É bom também saber como ele trata esses amigos.

E é fundamental saber se ele acredita em algo, em alguém que seja superior a tudo que está aqui. E que se precisar ele é capaz de começar tudo de novo, do zero, simplesmente porque ele sabe que tudo na vida, principalmente a glória, é fugaz.

E se depois de tudo isto você descobrir que o candidato, além de gostar de música, ainda toca um instrumento musical e gosta de cozinhar, aí, meu caro, pode capitular. E vote, vote correndo nele (a). Se puder, até case com ele (a). Porque gente assim, vou te contar, tá difícil.

(*Enviaram-me esta crônica por email, dizendo ser de autoria de Thereza Hilcar).

domingo, setembro 24, 2006

Nunca Esmoreças (Emmanuel)

Alma fraterna, recorda:
Os momentos infelizes
parecem noites de crises
Em que o céu lembra um vulcão;

Ribombam trovões no espaço,
Coriscos falam da morte,
Passa irado o vento forte,
Tombando troncos no chão...

Os animais pequeninos
Gritam pedindo socorro
Descendo de morro em morro,
Cai a enxurrada a correr...

Mas finda a borrasca enorme,
No escuro da madrugada,
Em riscas de luz dourada,
Vem o novo amanhecer.

Assim também na vida,
Se atravessas grandes provas,
Na estrada em que te renovas,
Guarda a calma ativa e sã;

Sofre, mas serve e caminha,
Vence a sombra que te invade,
Se a hora é de tempestade,
Há novo dia amanhã...


Emmanuel (Poema psicografado pelo médium Francisco Cândido Xavier, publicado no 'Jornal Município de Pitangui, no. 25, setembro de 1991)


"

sábado, setembro 23, 2006

Minas Enigma (Fernando Sabino)

Minas além do som, Minas Gerais.(Carlos Drummond de Andrade)

Se sou mineiro? Bem, é conforme, dona. (Sei lá por que ela está perguntando?) Sou de Belzonte, uai.

Tudo é conforme. Basta nascer em Minas para ser mineiro? Que diabo é ser mineiro, afinal? Inglês misturado com oriental? É fumar cigarro de palha, como o poeta Emílio, de Dores do Indaiá? Autran fuma cachimbo. Tem até quem fume cigarro americano. (No bairro do Calafate havia uma fábrica de "Camel".) Em suma: ser mineiro é esperar pela cor da fumaça. É dormir no chão para não cair da cama. É plantar verde pra colher maduro. É não meter a mão em cumbuca. Não dar passo maior que as pernas. Não amarrar cachorro com lingüiça.

Porque mineiro não prega prego sem estopa. Mineiro não dá ponto sem nó. Mineiro não perde trem.

Mas compra bonde.

Compra. E vende pra paulista.

Evém mineiro. Ele não olha: espia. Não presta atenção: vigia só. Não conversa: confabula. Não combina: conspira. Não se vinga: espera. Faz parte do decálogo, que alguém já elaborou. E não enlouquece: piora. Ou declara, conforme manda a delicadeza. No mais, é confiar desconfiando. Dois é bom, três é comício. Devagar que eu tenho pressa.

Apólogo mineiro: o boi velho e o boi jovem, no alto do morro — lá embaixo uma porção de vacas pastando. O boizinho, incontido:

— Vamos descer correndo, correndo e pegar umas dez?

E o boizão, tranqüilamente:

— Não: vamos descer devagar, e pegar todas.

Mais vale um pássaro na mão. A Academia Mineira, há tempos, pagava um jeton ridículo: duzentos cruzeiros — antigos, é lógico. Um dos imortais, indignado, discursava o seu protesto:

— Precisamos dar um jeito nisso! Duzentos cruzeiros é uma vergonha! Ou quinhentos cruzeiros, ou nada!Ao que um colega prudentemente aparteou:

— Pera lá: ou quinhentos cruzeiros, ou duzentos mesmo.

Quem nasce em Três Corações é tricordiano — haja vista Pelé. Quem nasce em Barbacena tem de escolher a Maternidade: ou é do Zezinho ou do Bias. E a Manchester Mineira, terra do Murilo Mendes? O poeta Nava foi-se embora: "parabéns a Pedro Nava, parabéns a Juiz de Fora". Itabira, calçada de ferro: não aceitou chamar-se Presidente Vargas, continuou digna do itabirano Carlos. E Ouro Preto continua digna de ser vista: ali é a casa do Rodrigo; Renato de Lima, ex-delegado e pianista amador, pintando junto à Casa dos Contos. Afonso é de Paracatu. Em Sabará nasceram Lúcia e Aníbal, além de outros ilustres Machados. Alphonsus, o solitário de Mariana. Os profetas de Congonhas. A cidade de Tiradentes — o que não tinha barbas. O Aleijadinho não tinha mãos. São João del Rei, onde nasceu Otto, o que morrerá batendo papo. Solidário só no câncer? Absolutamente, dona: nas virtudes também, uai. Haja vista a Tradicional Família Mineira, que Deus a tenha. As estações de águas: lembrança de São Lourenço, escrito num copinho. E Lambari, terra de Henriqueta! Monte Santo tem a rua mais iluminada do mundo. E uma ambulância com sirene, que seu filho Castejon arranjou. Itaúna fica num quarto andar do Leblon, no apartamento de Marco Aurélio, o bom. Jeremias, outro bom, mineiro como Ziraldo. Os bonecos de Borjalo só ganharam boca depois que começaram a falar. Mineiro por todo lado! O poeta Pellegrino, como psiquiatra, tem garantida uma numerosa clientela. Amílcar modela Minas em arame. Paulo encontrou Minas depois que saiu de lá. João Leite levou-a para São Paulo, Alphonsus para Brasília, Guilhermino para o Sul. João Camilo ficou. Etiene voltou. Paulo Lima voltou. Iglezias voltou. Jaques voltou.Figueiró continua, Rubião recomeçou.

Um Estado de nariz imenso, um estado de espírito: um jeito de ser. Manhoso, ladino, cauteloso, desconfiado — prudência e capitalização.

O guarda-chuva da proteção financeira, não como lema do Banco do Magalhães mais o Zé Luís, e sim como regra de conduta:

— Meu filho, ouça bem o seu pai: se sair à rua, leve o guarda-chuva, mas não leve dinheiro. Se levar, não entre em lugar nenhum. Se entrar, não faça despesas. Se fizer, não puxe a carteira. Se puxar, não pague. Se pagar, pague somente a sua.

Mas todos os princípios se desmoronam diante de um lombo de porco com rodelas de limão, tutu de feijão com torresmos, lingüiça frita com farofa. De sobremesa, goiabada cascão com queijo palmira. Depois, cafezinho requentado com requeijão. Aceita um pão de queijo? biscoito polvilho? brevidade? ou quem sabe uma broinha de fubá? Não, dona, obrigado. As quitandas me apertencem, mas prefiro bolinho de januária, e pronto: estou sastifeito...

É a hora e a vez de Guimarães Rosa sorrir e dizer pra cumpadre meu Quelemén: perigoso nada, mira e veja, nas Gerais, essas coisas...Falar de Minas, trem danado, sô. É falar no mundo misterioso de Lúcio Cardoso, Cornélio Pena ou Rosário Fusco, no mundo irônico, esquivo ou pitoresco de Cyro dos Anjos, Oswaldo Alves, Mário Palmério, seus romancistas. E num mundo de gente, seus personagens, que vão de Antônio Carlos a Milton Campos, de Bernardes a Juscelino — vasto mundo! ah, se eu me chamasse Raimundo. Dentro de mim uma corrente de nomes e evocações antigas, fluindo como o Rio das Velhas no seu leito de pedras, entre cidades imemoriais. Leopoldina, doce de manga, terra de meus pais... Prefiro estancá-las no tempo, a exaurir-me em impressões arrancadas aos pedaços, e que aos poucos descobririam o que resta de precioso em mim — o mistério da minha terra, desafiando-me como a esfinge com o seu enigma: decifra-me , ou devoro-te.

Prefiro ser devorado.

Texto extraído do site http://www.releituras.com/fsabino_minas.asp

sexta-feira, setembro 22, 2006

Sotaque mineiro: é ilegal, imoral ou engorda? (Felipe Peixoto Braga Netto)

''Minas não é palavra montanhosa.
É palavra abissal.
Minas é dentro
E fundo"
(Carlos Drummond de Andrade)

Gente, simplificar é um pecado. Se a vida não fosse tão corrida, se não tivesse tanta conta para pagar, tantos processos — oh sina — para analisar, eu fundaria um partido cuja luta seria descobrir as falas de cada região do Brasil.

Cadê os lingüistas deste país? Sinto falta de um tratado geral das sotaques brasileiros. Não há nada que me fascine mais. Como é que as montanhas, matas ou mares influem tanto, e determinam a cadência e a sonoridade das palavras?

É um absurdo. Existem livros sobre tudo; não tem (ou não conheço) um sobre o falar ingênuo deste povo doce. Escritores, ô de casa, cadê vocês? Escrevam sobre isto, se já escreveram me mandem, que espero ansioso.

Um simples" mas" é uma coisa no Rio Grande do Sul. É tudo menos um "mas" ou engordar. Porque, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar, sensual e lindo (das mineiras) ficou de fora?

Porque, Deus, que sotaque! Mineira devia nascer com tarja preta avisando: ouvi-la faz mal à saúde. Se uma mineira, falando mansinho, me pedir para assinar um contrato doando tudo que tenho, sou capaz de perguntar: só isso? Assino achando que ela me faz um favor.

Eu sou suspeitíssimo. Confesso: esse sotaque me desarma. Certa vez quase propus casamento a uma menina que me ligou por engano, só pelo sotaque.

Mas, se o sotaque desarma, as expressões são um capítulo à parte. Não vou exagerar, dizendo que a gente não se entende... Mas que é algo delicioso descobrir, aos poucos, as expressões daqui, ah isso é...

Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas. Preferem, sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminho (não dizem: pode parar, dizem: "pó parar". Não dizem: onde eu estou?, dizem: "ôndôtô?"). Parece que as palavras, para os mineiros, são como aqueles chatos que pedem carona. Quando você percebe a roubada, prefere deixá-los no caminho.

Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem — lingüisticamente falando — apenas de uais, trens e sôs. Digo-lhes que não.

Mineiro não fala que o sujeito é competente em tal ou qual atividade. Fala que ele é bom de serviço. Pouco importa que seja um juiz, um jogador de futebol ou um ator de filme pornô. Se der no couro — metaforicamente falando, claro — ele é bom de serviço. Faz sentido...

Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem. Sempre que duas mineiras se>encontram, uma delas há de perguntar pra outra: "cê tá boa?" Para mim, isso é pleonasmo. Perguntar para uma mineira se ela tá boa, é como perguntar a um peixe se ele sabe nadar. Desnecessário.

Há outras. Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada. Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer: — Mexe com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc).

O verbo "mexer", para os mineiros, tem os mais amplos significados. Quer dizer, por exemplo, trabalhar. Se lhe perguntarem com o que você mexe, não fique ofendido. Querem saber o seu ofício.

Os mineiros também não gostam do verbo conseguir. Aqui ninguém consegue nada. Você não dá conta. Sôcê (se você) acha que não vai chegar a tempo, você liga e diz:

— Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não, sô.

Esse "aqui" é outro que só tem aqui. É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública, de qualquer frase. É mais usada, no entanto, quando você quer falar e não estão lhe dando muita atenção: é uma forma de dizer, olá, me escutem, por favor. É a última instância antes de jogar um pão de queijo na cabeça do interlocutor.

Mineiras não dizem "apaixonado por". Dizem, sabe-se lá por que, "apaixonado com". Soa engraçado aos ouvidos forasteiros. Ouve-se a toda hora: "Ah, eu apaixonei com ele...". Ou: "sou doida com ele" (ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro). Elas vivem apaixonadas com alguma coisa.

Que os mineiros não acabam as palavras, todo mundo sabe. É um tal de bonitim, fechadim, e por aí vai. Já me acostumei a ouvir: "E aí, vão?". Traduzo: "E aí, vamos?". Não caia na besteira de esperar um "vamos" completo de uma mineira. Não ouvirá nunca.

Na verdade, o mineiro é o baiano lingüístico. A preguiça chegou aqui e armou rede. O mineiro não pronuncia uma palavra completa nem com uma arma apontada para a cabeça.

Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela, mas prefiro, com todo respeito, a mineira. Nada pessoal. Aqui certas regras não entram. São barradas pelas montanhas. Por exemplo: em Minas, se você quiser falar que precisa ir a um lugar, vai dizer:

— Eu preciso de ir.

Onde os mineiros arrumaram esse "de", aí no meio, é uma boa pergunta. Só não me perguntem. Mas que ele existe, existe. Asseguro que sim, com escritura lavrada em cartório. Deixa eu repetir, porque é importante. Aqui em Minas ninguém precisa ir a lugar nenhum. Entendam... Você não precisa ir, você "precisa de ir". Você não precisa viajar, você "precisa de viajar". Se você chamar sua filha para acompanhá-la ao supermercado, ela reclamará:

— Ah, mãe, eu preciso de ir?

No supermercado, o mineiro não faz muitas compras, ele compra um tanto de coisa. O supermercado não estará lotado, ele terá um tanto de gente. Se a fila do caixa não anda, é porque está agarrando lá na frente. Entendeu? Deus, tenho que explicar tudo. Não vou ficar procurando sinônimo, que diabo. E não digo mais nada, leitor, você está agarrando meu texto. Agarrar é agarrar, ora!

Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar com pena,suspirará:

— Ai, gente, que dó.

É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras. Eu aviso que vá se apaixonar na China, que lá está sobrando gente. E não vem caçar confusão pro meu lado.

Porque, devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro "caça confusão". Sevocê quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar, para se"é melhor falar, para se fazer entendido, que ele "vive caçando confusão".

Para uma mineira falar do meu desempenho sexual, ou dizer que algo é muitíssimo bom (acho que dá na mesma), ela, se for jovem, vai gritar: "Ô, é sem noção". Entendeu, leitora? É sem noção! Você não tem, leitora, idéia do tanto de bom que é. Só não esqueça, por favor, o "Ô" no começo, porque sem ele não dá para dar noção do tanto que algo é sem noção, entendeu?

Ouço a leitora chiar:

— Capaz...

Vocês já ouviram esse "capaz"? É lindo. Quer dizer o quê? Sei lá, quer dizer tá fácil que eu faça isso", com algumas toneladas de ironia. Gente, ando um péssimo tradutor. Se você propõe a sua namorada um sexo a três (com as amigas dela), provavelmente ouvirá um "capaz..." como resposta. Se, em vingança contra a recusa, você ameaçar casar com a Gisele Bundchen, ela dirá: "ô dó dôcê". Entendeu agora? Não? Deixa para lá.

É parecido com o "nem...". Já ouviu o "nem..."? Completo ele fica:

- Ah, nem... O que significa? Significa, amigo leitor, que a mineira que o pronunciou não fará o que você propôs de jeito nenhum. Mas de jeito nenhum. Você diz: "Meu amor, cê anima de comer um tropeiro no Mineirão?". Resposta: "nem..." Ainda não entendeu? Uai, nem é nem. Leitor, você é meio burrinho ou é impressão?

A propósito, um mineiro não pergunta: "você não vai?". A pergunta, mineiramente falando, seria: "cê não anima de ir"? Tão simples. O resto do Brasil complica tudo. É, ué, cês dão umas volta pra falar os trem...

Certa vez pedi um exemplo e a interlocutora pensou alto:

— Você quer que eu "dou" um exemplo...

Eu sei, eu sei, a gramática não tolera esses abusos mineiros de conjugação. Mas que são uma gracinha, ah isso lá são.

Ei, leitor, pára de babar. Que coisa feia. Olha o papel todo molhado. Chega, não conto mais nada. Está bem, está bem, mas se comporte.

Falando em "ei...". As mineiras falam assim, usando, curiosamente, o "ei" no lugar do "oi". Você liga, e elas atendem lindamente: "eiiii!!!", com muitos pontos de exclamação, a depender da saudade...

Tem tantos outros... O plural, então, é um problema. Um lindo problema, mas um problema. Sou, não nego, suspeito. Minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares das mineiras.

Aliás, deslizes nada. Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer que a oficial esteja com a razão. Se você, em conversa, falar:

— Ah, fui lá comprar umas coisas...
— Que' s coisa? — ela retrucará.

Acreditam? O plural dá um pulo. Sai das coisas e vai para o que.

Ouvi de uma menina culta um "pelas metade", no lugar de "pela metade". E se você acusar injustamente uma mineira, ela, chorosa, confidenciará:

— Ele pôs a culpa "ni mim".

A conjugação dos verbos tem lá seus mistérios, em Minas... Ontem, uma senhora docemente me consolou: "preocupa não, bobo!". E meus ouvidos, já acostumados às ingênuas conjugações mineiras, nem se espantam. Talvez se espantassem se ouvissem um: "não se preocupe", ou algo assim. A fórmula mineira é sintética. e diz tudo.

Até o tchau em Minas é personalizado. Ninguém diz tchau pura e simplesmente. Aqui se diz: "tchau pro cê", "tchau pro cês". É útil deixar claro o destinatário do tchau. O tchau, minha filha, é prôcê, não é pra, não é pra outra.

Deve haver, por certo, outras expressões... A minha memória (que não ajuda>muito) trouxe essas por enquanto. Estou, claro, aberto a sugestões. Como é uma pesquisa empírica, umas voluntárias ajudariam... Exigência: ser mineira.

Conversando com lingüistas, fui informado: é prudente que tenham cabelos pretos, espessos e lisos, aquela pele bem branquinha... Tudo, naturalmente, em nome da ciência. Bem, eu me explico: é que, características à parte, as conformações físicas influem no timbre e som da voz, e eu não posso, em honrados assuntos mineiros, correr o risco de ser inexato, entendem?

*Felipe Peixoto Braga Netto **(1973) afirma que não é jornalista, não é publicitário, nunca publicou crônicas ou contos, não é, enfim, literariamente falando, muita coisa, segundo suas palavras. Mora em Belo Horizonte e ama Minas Gerais. Ele diz que nunca publicou nada, mas a crônica que apresentamos foi extraída do livro "As coisas simpáticas da vida", Landy Editora, São Paulo (SP) - 2005, pág. 82. *

(Minha alma é mineira, com certeza....)

quarta-feira, setembro 20, 2006

Porque demoramos tanto...

Minha mãe ficava histérica com os banheiros públicos, quando pequena me levava ao banheiro, me ensinava a limpar a tampa do vaso com papel higiênico e cobrir cuidadosamente com tiras de papel em toda a borda. Finalmente me instruía:

"Nunca, NUNCA se sente em um banheiro publico".

Logo me mostrava "A posição" que consiste em se equilibrar sobre o vaso em uma posição de sentar sem que o corpo entre em contato com o vaso. Isso foi há muito tempo, mas ainda hoje em nossa idade adulta, "a posição" é dolorosamente difícil de manter quando a bexiga está quase estourando.

Quando você "tem que ir" a um banheiro público, sempre encontra uma fila de mulheres que te faz pensar que as cuecas do Brad Pitt estão à venda pela metade do preço. E assim espera pacientemente e sorri amavelmente às outras mulheres que também estão discretamente cruzando as pernas.

Finalmente é a sua vez, você olha cada cubículo por baixo da porta pra ver se não há pernas. Todos estão ocupados, mas finalmente uma porta se abre e você entra quase jogando a pessoa que está saindo. Você entra e percebe que o trinco não funciona, mas não importa...

Você pendura a bolsa no gancho que tem atrás da porta e, se não tem gancho, você a pendura no pescoço mesmo, enquanto se equilibra, sem contar que a alça da bolsa quase corta a sua nuca, porque está cheia de porcarias que vc foi jogando dentro, das quais não usa a maioria, mas as tem aí, para o caso de "e se eu precisar?"

Mas, voltando à porta... como não tinha trinco só lhe resta a opção de segurá-la com uma mão, enquanto com a outra vc abaixa a calcinha e fica "em posição"...

Alívio... ahhhhhh... mais alívio, aí é quando suas pernas começam a relaxar e vc adoraria sentar, mas não teve tempo de limpar o vaso e nem cobrir com papel, nessa hora vc quase tem um treco de tão aliviada, ai dá uma desequilibrada e erra a mira. Pronto, o suficiente pra ficar molhada até as meias, e é obvio que dá pra notar.

Para afastar o pensamento dessa desgraça, você procura o rolo de papel higiênico... maaaas.. hehehe, o rolo tá vazio! E as suas pernas continuam querendo relaxar. Ai você lembra de um pedacinho de papel que tá na bolsa, meio usado porque vc já limpou o nariz com ele, mas vai ter que servir, vc amassa ele pra absorver o máximo possível, mas ele é muito pequeno, e ainda tá sujo de meleca.

Nisso alguém empurra a porta e, como o trinco não funciona, vc recebe uma baita porada na cabeça.

Aí vc grita "tem genteeeeee" enquanto continua empurrando a porta com a mão livre e o pedacinho de papel que vc tinha na mão cai exatamente em uma pequena poça que tinha no chão e vc não sabe se é água ou xixi... ehehe ai vc vai de costas e desequilibra, caindo sentada no vaso.

Vc se levanta rapidamente, mas já é tarde, seu traseiro já entrou em contato com todos os germes e formas de vida do vaso porque VOCÊ não o cobriu com papel higiênico, que de qualquer maneira não havia, mesmo se vc tivesse tido tempo de fazer isso.

Sem contar o golpe na cabeça, o quase corte na nuca pela alça da bolsa, a espirrada de xixi nas pernas e nas meias, que ainda estão molhadas... a lembrança de sua mãe que estaria terrivelmente envergonhada de vc, porque o traseiro dela nunca sequer tocou o assento de um banheiro público, porque francamente, "você não sabe que tipo de doença poderia pegar ai".

Mas a aventura nao termina ai... agora a descarga do banheiro, que tá tão desregulada que jorra água como se fosse uma fonte e manda tudo pro esgoto com tanta força que vc tem que se segurar no porta-papel (quando tem) com medo de que aquele negócio te leve junto e te mande pra China. Ai é finalmente quanto vc se rende, está ensopada pela água que saiu da privada como uma fonte.

Você está exausta. Tenta se limpar com uns papeizinhos de chiclete Trident que estavam na bolsa e depois sai discretamente para a pia. Você não sabe muito bem como funcionam as torneiras automáticas também, e então dá uma limpadinha nas mãos com saliva mesmo e seca com toalha de papel. E sai passando pela fila de mulheres que ainda estão esperando com as pernas cruzadas e nesse momento vc é incapaz de sorrir cortesmente.

Uma alma caridosa no fim da fila te diz que vc tá com um pedaço de papel higiênico do tamanho do rio Amazonas grudado no sapato! Vc puxa o papel do sapato e joga na mão da mulher que disse que tava grudado e lhe diz suavemente: "Toma! Vc vai precisar!" e sai.

Nesse momento, seu namorado ou marido que entrou, usou e saiu do banheiro masculino e teve tempo de sobra pra ler " Guerra e Paz" enquanto esperava,te pergunta:

-"Porque demorou tanto?"

É nessa hora que vc dá um chute no saco dele e o manda pra puta que o pariu! Isto é dedicado a todas as mulheres de todas as partes do mundo que já tiveram que usar um banheiro público.

E finalmente explicar a vocês, homens,por que nós demoramos tanto.

(Este texto me foi enviado pela internet. Desconheço a autora).

terça-feira, setembro 19, 2006

"Feliz aquele que transfere o que sabe, e aprende o que ensina." (Cora Coralina)

O amor, quando se revela




O Amor, quando se revela
(Fernando Pessoa)

O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há-de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...

Sobre a morte


Me enviaram este texto, dizendo ser de autoria do Pedro Bial. Não sei se é verdade, mas a leitura vale a pena.



"Assisti a algumas imagens do velório do Bussunda, quando os colegas do Casseta & Planeta deram seus depoimentos.

Parecia que a qualquer instante iria estourar uma piada. Estava tudo sério demais, faltava a esculhambação, a zombaria, a desestruturação da cena.

Mas nada acontecia ali de risível.

Era só dor e perplexidade, que é mesmo o que causa em todos os que ficam.

A verdade é que não havia nada a acrescentar no roteiro: a morte, por si só, é uma piada pronta.

Morrer é ridículo.

Você combinou de jantar com a namorada, está em pleno tratamento dentário, tem planos pra semana que vem, precisa autenticar um documento em cartório, colocar gasolina no carro e no meio da tarde morre. Como assim?

E os e-mails que você ainda não abriu, o livro que ficou pela metade, o telefonema que você prometeu dar à tardinha para um cliente?

Não sei de onde tiraram esta idéia: morrer. A troco?

Você passou mais de 10 anos da sua vida dentro de um colégio estudando fórmulas químicas que não serviriam pra nada, mas se manteve lá, fez as provas, foi em frente.

Praticou muita educação física, quase perdeu o fôlego, mas não desistiu.

Passou madrugadas sem dormir para estudar pro vestibular mesmo sem ter certeza do que gostaria de fazer da vida, cheio de dúvidas quanto à profissão escolhida, mas era hora de decidir, então decidiu, e mais uma vez foi em frente...

De uma hora pra outra, tudo isso termina numa colisão na freeway, numa artéria entupida, num disparo feito por um delinqüente que gostou do seu tênis. Qual é?

Morrer é um chiste.

Obriga você a sair no melhor da festa sem se despedir de ninguém, sem ter dançado com a garota mais linda, sem ter tido tempo de ouvir outra vez sua música preferida.

Você deixou em casa suas camisas penduradas nos cabides, sua toalha úmida no varal, e penduradas também algumas contas.

Os outros vão ser obrigados a arrumar suas tralhas, a mexer nas suas gavetas, a apagar as pistas que você deixou durante uma vida inteira.

Logo você, que sempre dizia: das minhas coisas cuido eu.

Que pegadinha macabra: você sai sem tomar café e talvez não almoce, caminha por uma rua e talvez não chegue na próxima esquina, começa a falar e talvez não conclua o que pretende dizer.

Não faz exames médicos, fuma dois maços por dia, bebe de tudo, curte costelas gordas e mulheres magras e morre num sábado de manhã.

Se faz check-up regulares e não tem vícios, morre do mesmo jeito. Isso é para ser levado a sério?

Tendo mais de cem anos de idade, vá lá, o sono eterno pode ser bem-vindo. Já não há mesmo muito a fazer, o corpo não acompanha a mente, e a mente também já rateia, sem falar que há quase nada guardado nas gavetas.

Ok, hora de descansar em paz.

Mas antes de viver tudo, antes de viver até a rapa? Não se faz.

Morrer cedo é uma transgressão, desfaz a ordem natural das coisas.

Morrer é um exagero. E, como se sabe, o exagero é a matéria-prima das piadas. Só que esta não tem graça.

Por isso viva tudo que há para viver.

Não se apegue as coisas pequenas e inúteis da Vida...

Perdoe....sempre!!!

segunda-feira, setembro 18, 2006

O verdadeiro significado da palavra "trem".



Interessante que o assunto mineirês veio a tona logo no dia que alguns transtornos foram causados pelo desconhecimento do mineirês por parte de alguns jornalistas que escreveram a seguinte manchete:

"Trens batem de frente em Minas".

Os mineiros obviamente não deram a devida importância, já que pra nós isto quer dizer apenas que duas coisas bateram. Poderiam ser dois carros, um carro e uma moto, uma carroça e um carro de boi; ou até mesmo um choque entre uma mala de viagem e a mesa de jantar...
Movido pela curiosidade, resolvi então consultar o Aurélio e vejam o que diz:
Trem: sm. 1. Objetos que formam a bagagem dum viajante. 2. Mobiliário duma casa. 3. Bras. Comboio ferroviário. 4. Bateria de cozinha. 5. Bras.Pop. Treco. 6. Diz de pessoa ou coisa ruim, imprestável.
(Bras. : é a abreviatura de Brasileirismo)

Vejam que o sentido de comboio ferroviário é apenas o 3º, e ainda é considerado um brasileirismo. Comentei o fato com um amigo especialista em etimologia que esclareceu a questão: o comboio ferroviário recebeu o nome de trem, justamente porque trazia, porque transportava, os trens das pessoas. Vale lembrar que nesta época o Brasil possuia uma malha ferroviária com relativa capilaridade e o transporte ferroviário era o mais importante, assim era natural que as pessoas fizessem esta associação.

Moral da estória: O mineiro é antes de tudo um erudito. Além de erudito,ainda é humilde e aceita que o pessoal dos outros estados tripudiem da forma como usa a palavra trem. Na verdade, acho que isto faz parte do espirito cristão do mineiro, ele escuta as gozações e pensa:
"Que trem, sô... mas que sejam perdoados, pois não sabem o que dizem".

(autor desconhecido)